Governo cria declaração de planejamento tributário que engessa a dinâmica empresarial
Valdirene Lopes Franhani
Sócia da Divisão do Contencioso
Sem nenhuma justificativa de relevância e urgência e usando como pano de fundo a transparência de informações entre o Fisco e o contribuinte, o governo federal editou em julho a Medida Provisória nº 685 que, entre outras disposições, cria uma polêmica obrigação aos contribuintes.
Trata-se de declaração que deverá ser apresentada anualmente (até 30 de setembro), sempre que o contribuinte realizar um “conjunto” de operações “que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo”.
São inúmeras as situações na vida do contribuinte que podem gerar esse efeito. Todavia, a MP esclarece que a declaração deverá ser apresentada quando os atos e negócios não possuírem razões extratributárias relevantes, ou quando a forma adotada pelo contribuinte não for usual ou, ainda, quando utilizar-se de negócio jurídico indireto ou que contenha cláusula que o desnature.
Além da alta carga de subjetividade de seu texto, a MP ainda dá margem para que a Receita Federal liste outros negócios ou atos jurídicos em que tal declaração seja obrigatória, a depender da regulamentação.
Vale ressaltar que a não apresentação da declaração – ou nas hipóteses em que ela for tida como ineficaz, segundo a MP – caracterizará omissão dolosa do contribuinte com intuito de sonegação ou fraude, com a cobrança imediata dos tributos supostamente sonegados e multa de 150%.
É óbvio que a intenção do governo é controlar os planejamentos tributários e dar mais agilidade à cobrança de tributos nesses casos. Entretanto, ela parte de premissas extremamente equivocadas, em manifesta ofensa à lei e à Constituição Federal.
A primeira delas é que os planejamentos tributários necessariamente devam ter outras razões que não apenas a de reduzir a carga tributária, ou seja, devem possuir propósito negocial relevante.
A segunda premissa equivocada do governo é que, quando a forma adotada pelo contribuinte não for usual, haveria o intuito de fraudar os cofres públicos.
Tais premissas não são verdadeiras. Afinal, é sabido que a alta carga tributária sobre qualquer operação e/ou produto configura custo para a empresa. Assim, tentar reduzir essa “pesada carga” dentro dos limites legais – ainda que não haja outro propósito relevante – não pode ser considerado, por si só, crime, mas direito e dever de gestão, inclusive para sobrevivência e dinâmica da empresa.
Da mesma forma, também não é dado à autoridade administrativa, por simples presunção, desconsiderar atos ou negócios jurídicos sem a respectiva prova e o devido processo legal.
Ora, esperar que a não apresentação da declaração – ou quando for considerada ineficaz a sua apresentação – faça prova contra o próprio contribuinte, presumindo-se o crime de omissão dolosa, é absurdo. Afinal, no nosso direito a boa-fé é presumida, enquanto a má-fé deve ser comprovada.
Não se pode esperar que a aludida declaração dada pelo próprio contribuinte possa substituir de forma inversa a norma geral antielisiva há muito esperada, desde que a LC nº 104/2001 introduziu no artigo 116 do CTN a necessidade de lei complementar com essa finalidade.
Essa declaração engessa a dinâmica da atividade empresarial e compromete a segurança das relações jurídicas. Mas não é só. Ela notadamente ofende direitos e garantias constitucionais, especialmente a legalidade, o devido processo legal e a proibição de confisco.
Todos esses motivos têm mobilizado a sociedade contra a exigência. O deputado paulista Bruno Covas, por exemplo, já apresentou proposta ao Congresso Nacional para que sejam excluídos do texto da MP os dispositivos que tratam dessa declaração. Também foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF visando afastar a norma.
No final de agosto a Receita Federal informou que não exigirá a declaração de planejamento tributário para este ano. Mas a desistência não foi oficializada por ato da Receita.
Assim, enquanto a MP não for votada ou o Judiciário não se pronunciar, as operações feitas após a publicação da MP, ou cujos efeitos tenham ocorrido desde então, devem ser devidamente controladas e avaliadas pelos contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, para análise de eventual necessidade ou não da apresentação dessa declaração em setembro de 2016.
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